Bandeirantes/MS, 14 de maio de 2024

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Pesquisadores descobrem rochas de plástico no arquipélago quase inabitado mais distante do litoral brasileiro

Cientistas e pesquisadores identificaram rochas que estão sendo formadas por plástico na Ilha da Trindade, um paraíso quase inabitado que fica a 1.140 quilômetros de Vitória, no Espírito Santo, e é a ilha brasileira mais distante do continente. O acesso à ilha é controlado e restringido pela Marinha, o que mostra que a ação do homem começou a influenciar processos que antes eram considerados essencialmente naturais, como a formação de rochas.

No estudo, que é inédito no Brasil, os cientistas buscam entender a relação entre o homem e o meio em que vive, como as ações humanas transformam o meio ambiente e o impacto disso para as próximas gerações.

A pesquisa foi feita pela doutoranda do programa de pós-graduação em Geologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Fernanda Avelar.

A pesquisadora fazia um projeto de estudos costeiros nas ilhas oceânicas brasileiras desde 2017. E em 2019 ela foi até a Ilha da Trindade para fazer coleta de rochas quando se deparou com o material.

“Fiquei uns dois meses na ilha realizando a coleta. Um dia quando fui até o parcel [recife próximo à superfície] das tartarugas, uma região conhecida por ser a maior área de desova de tartaruga-verde no país, encontrei sedimentos esverdeados nas pedras próximas a praia. Realizei a coleta e depois levei para o laboratório para estudar e entender o que era esse material”, contou Fernanda.

Após a análise, a geóloga identificou que o que estava atrelado as rochas era plástico, mais especificamente corda de pesca. O material é formado por pedaços jogado no mar, que são levados até a ilha pela ação das correntes marinhas.

Formação das rochas

A pesquisadora explicou então que, a partir disso, foi possível identificar que as rochas antes só compostas por substâncias naturais como mineiras, estavam sendo geradas pela poluição marinha, compostas principalmente por plástico.

“É fácil reconhecer uma rocha gerada a partir da ação do homem. É só identificar materiais visualmente artificiais, como o plástico, que é um material do nosso cotidiano de fácil reconhecimento visual. As ocorrências encontradas na Ilha da Trindade são compostos por materiais naturais (minerais, conchas, fragmentos de rochas) e materiais plásticos (não-naturais)”, disse a geóloga.

De acordo com o resultado do estudo, o material de corda de pesca se formou na rocha e se fixou na superfície da praia.

O plástico se fixou onde havia rocha e areia e se incorporou na parte de cima da superfície. Com isso, conglomerados foram formados, ficando difícil, até quase impossível de tirar o plástico da rocha, o que mostra que são detritos plásticos com aparência de rocha.

A maioria do material coletado por Fernanda tem uma idade de poucos anos, com no máximo 1 ou 2 décadas.

O que também chamou a atenção da pesquisadora é que o processo da formação da rocha a partir da poluição marinha é rápido.

“Ele depende de três etapas – nas quais o ser humano atua como principal agente geológico – que são: disponibilidade de lixo plástico no ambiente marinho ou costeiro, arranjo e deposição do lixo em um local da praia (quando as pessoas juntam o lixo a fim de descartar ou fazer fogueira) e aumento da temperatura do ambiente por meio de fogo (como as fogueiras) que derrete o plástico interage com os sedimentos da praia formando cimento plástico e consequentemente estas rochas”, afirmou.

A geóloga explicou que a descoberta foi publicada em um artigo em uma das revistas internacionais mais importantes sobre poluição marinha no final do ano passado, a “Marine Pollution Bulletin”.

Segundo Fernanda, a descoberta é considerada a primeira sobre o assunto no Brasil. A nível mundial, é a primeira descoberta de um afloramento que teve vários tipos de detrito no mesmo local.

“No trabalho publicado, reconhecemos diferentes tipos das formas plásticas. Os plastiglomerados, análogos às rochas sedimentares e relatados pela primeira vez no Havaí em 2014, foram encontrados recobrindo sedimentos de praia no Parcel das Tartarugas”, explicou.

“Também descrevemos piroplásticos, descritos pela primeira vez na costa da Inglaterra. Estes detritos plásticos estão sendo encontrados em nível global e indicam uma possível correlação estratigráfica deste tipo de poluição marinha”, completou Fernanda.

Consequências para o meio ambiente

A pesquisadora acredita que a descoberta serve de alerta para possíveis consequências graves para o meio ambiente, principalmente por causa da importância da ilha para o ecossistema, não só de tartaruga-verde, que é a única espécie que se reproduz nas ilhas oceânicas brasileiras, mas de diversas aves que se reproduzem no local.

“Durante a pesquisa eu encontrei vários ninhos de tartarugas próximos as rochas com plástico. Muitas aves migratórias também vão até a ilha, além de ser uma região de recife. É um local muito monitorado no país, que possui uma vida bem frágil. É um monumento natural que deveria ser intocável”, explicou a geóloga.

Um outro risco apontado por Fernanda é que com a ação das marés nas rochas compostas por plástico, o material pode se espalhar ainda mais.

“Essas rochas maiores podem se fragmentar, se tornar microplástico e se incorporar na areia. Isso pode fazer com que as tartarugas acabem ingerindo esse material. O ser humano está interferindo no sistema natural da praia. O plástico no mar, a gente sabe que afeta a vida marinha, afeta o clima, só que agora está tão profundamente incorporado que está afetando o ciclo geológico. É sinal que está em muita quantidade”, falou.

“A presença disso no sistema geológico é um alerta: a composição da terra está sendo mudada. Esse tipo de poluição está sendo relatada no mundo inteiro, então é um alerta preocupante”, relatou a pesquisadora.

A geóloga apontou mais estudos para entender o impacto das rochas compostas por plásticos para o meio ambiente precisam ser feitos.

“Ainda não sabemos quais os impactos e como elas irão se comportar no registro geológico. De qualquer forma, estas ocorrências devem servir como um alerta, pois mostram que o impacto humano, assim como os seus resíduos, estão tão presentes no meio ambiente que começaram a influenciar processos antes considerados essencialmente naturais, como a formação de rochas”, disse Fernanda.

Para Fernanda, a descoberta na ilha pode mostrar um panorama que está acontecendo em várias outras regiões.

“A pesquisa ajuda no sentido principalmente pela divulgação da informação. O Brasil está alertando algo que nunca poderíamos imaginar. Se no meio do oceano, em um lugar pouco habitável já encontramos isso”, falou.

“A ilha reflete o que chega nela, e o que está no mar como um todo. Quanto sociedade, mostra que é preciso fazer alguma coisa para ter o descarte correto desses materiais. É muito triste você encontrar em um paraíso esse tipo de coisa. É chocante de certa forma”, contou a pesquisadora.

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