Bandeirantes/MS, 13 de maio de 2024

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Jovem perde vaga para engenharia da computação na UFES por não ser considerada parda por banca avaliadora

A jovem Livian Malfará de Mesquita Dias, de 18 anos, perdeu a vaga para engenharia da computação na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) por não ser considerada parda pela Comissão de Verificação de Autodeclaração que a entrevistou presencialmente. A universidade diz que não comenta o caso (veja posicionamento completo abaixo).

Livian, que fez todo o ensino médio em uma escola pública de Ibaté (SP), fez a inscrição no Sisu para a UFES pelo sistema de cotas, se autodeclarando parda. Ao ser convocada, enviou os documentos pedidos, inclusive fotos do rosto e de corpo inteiro e viajou para Vitória (ES) para fazer a entrevista presencial, mas banca universidade considerou que ela não possuía características do fenótipo negro.

“A candidata teve sua autodeclaração invalidada, pois não foi identificado em seu fenótipo um conjunto de características que, isoladamente ou em conjunto, a identifique como pessoa negra”, disse o comunicado de indeferimento do pedido de vaga.

Ainda de acordo com a resposta da UFES ao pedido, “as características fenotípicas como: cor de pele, formato do rosto, espessura dos lábios e do nariz, quando combinados contradizem a percepção social da candidata como pessoa negra”.

Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), em Vitória — Foto: Luciney Araújo/ TV Gazeta

Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), em Vitória — Foto: Luciney Araújo/ TV Gazeta

Livian é filha de pai negro e acredita que os entrevistadores desconsideraram todas as outras características e focaram principalmente na cor da pele.

“No manual do candidato é realmente a cor da pele é o que aparece em foco, eles falam que principalmente consideram essa característica.”

Ela contou que a questão da cor da pele também foi salientada pela Comissão de Avaliação. “A gente ficou em uma sala de espera e chegou uma pessoa que enfatizou muito a questão de cor da pele, de ser uma pessoa retinta. Na hora de fazer lá a entrevista fiz conforme pediram: para olhar na câmera, falar meu nome completo, que me identificava como parda e falar quais as características que faziam com que me identificasse assim.”

“Pode ser provavelmente pelo fato de a minha pele que é muito clara realmente, mas nos outros quesitos realmente não faz o menor sentido esse indeferimento porque todas as características como meu cabelo ser crespo, minha boca, meu nariz todo se enquadram no fenótipo, além de ser filha de pai preto”, disse.

O edital da UFES que determina os critérios para a validação do candidato pardo ressalta que a universidade não considera a ancestralidade como requisito.

“Para a comissão validar o termo de autodeclaração de candidatos(as) às vagas reservadas a pretos(as) e pardos(as) será considerado única e exclusivamente o fenótipo negro (preto ou pardo) como base para análise e validação, excluídas as considerações sobre a ascendência”, diz o documento.

Recurso e falta de comunicação

Livian entrou com recurso, que foi aceito, mas ela teria que voltar ao Espírito Santo para outra entrevista.

Ela recebeu o comunicado da universidade no sábado (2) para comparecer a uma segunda entrevista nesta segunda-feira (4).

Sem condições financeiras para viajar novamente para Vitória – a primeira viagem havia sido financiada por um parente – Livian perdeu a chance de tentar novamente a vaga e não tem mais oportunidade de se inscrever em outra universidade.

“Na primeira vez que eu te queria fazer uma entrevista, eu descobri que seria presencial, eu mandei um e-mail perguntando se podia ser online e nunca responderam acabou que eu consegui ir, mas a segunda vez agora também, mandei um e-mail também não obtive resposta.”

Livian Malfará de Mesquita Dias e a mãe. Jovem teve vaga de cota negada pela UFES — Foto: Arquivo pessoal

Livian Malfará de Mesquita Dias e a mãe. Jovem teve vaga de cota negada pela UFES — Foto: Arquivo pessoal

Ela não concorda com a decisão da universidade, mas não pretende buscar a vaga por vias judiciais.

“Eu escolhi a UFES por causa da proposta de curso. Tinha gostado das matérias e de como falavam bem da faculdade, na questão de apoiarem bastante o estudante, segundo eles. Depois de todo esse ocorrido e da falta de apoio deles para ajudar, fiquei muito desanimada. Eu me senti muito constrangida no dia e deslocada pelo jeito como tudo foi tratado, como se toda a proposta deles de acolhimento e inclusão só não se aplicasse a mim. Não tenho mais vontade de estudar lá”, disse.

Veja o que diz a UFES

Por meio de nota, a UFES diz que não comenta casos específicos de processo seletivo enquanto o Sisu estiver em andamento e que vem aperfeiçoando as análises ao realizar um processo misto de heteroidentificação. Veja o posicionamento completo abaixo:

“A equipe da Pró-Reitoria de Graduação (Prograd) da Ufes informa que, enquanto o processo do Sisu 2024 estiver em andamento, não se manifestará sobre nenhum caso específico do processo seletivo.

Desde a implementação do sistema de reserva de vagas, a Ufes, assim como as demais universidades, vem aperfeiçoando as análises ao realizar um processo misto de heteroidentificação, em que a autodeclaração é validada ou não por uma comissão avaliadora, conforme normatizado pela Resolução nº49/2021.

Atualmente, a avaliação étnica-racial para candidatos pretos e pardos é realizada de maneira PRESENCIAL pela Comissão de Verificação de Autodeclaração, considerando única e exclusivamente o fenótipo negro (preto ou pardo): predominantemente a cor da pele, a textura do cabelo e os aspectos faciais que, combinados ou não, permitem validar ou invalidar a autodeclaração.

Esse processo visa a coibir eventual destinação de vagas reservadas para quem não é alvo da política social, considerando possíveis fraudes, bem como declarações equivocadas devido à ausência de compreensão das questões raciais.”

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